Empresa portuguesa cria software de deteção de fraude
Com muita experiência na criação de software para simulação de voos espaciais, uma equipa portuguesa de cientistas criou uma forma de detetar a fraude bancária aqui na Terra.
Hoje em dia, cada compra eletrónica feita em Portugal passa pelo software que desenvolveram. Em todo o mundo, os produtos Feedzai verificam pagamentos no valor de cerca de 200 mil milhões de euros, a cada ano.
Mas afinal, qual é a relação entre missões espaciais e o sftware desenhado para detetar fraude? Mais do que pode imaginar – além do hardware sofisticado, as missões espaciais exigem também avançado software.
«Quando se lança uma nave espacial, é preciso software para o guiar», explicou Paulo Marques, da Feedzai, que foi consultor da ESA antes de fundar a empresa em 2009. «Também necessita de software para as comunicações com o solo.»
Muito antes de a nave ser lançada, o software precisa de ser testado com rigor, para que não aconteçam falhas. Há apenas um problema, explicou Paulo: «ainda não existe, nesta fase, uma nave real.»
So, scientists build a software universe to simulate the mission. “What you need to have is something that represents the spacecraft, mission control and ground stations, along with many other components, in order to check it all.”
Então, os cientistas desenharam um software para simular a missão. «O que é preciso é ter alguma coisa a representar a nave, o centro de controlo e as estações em terra, bem como muitos outros componentes, de forma a poder-se verificar tudo.»
Na ESA, Paulo e o colega da Feedzai, Nuno Sebastião, usaram técnicas computacionais de grande qualidade para criar satélites virtuais: “Clusters de computadores simulam todas as componentes envolvidas. Um computador funciona como uma nave espacial.”
O software tem de ser muito robusto de forma a poder simular cada elemento da missão e da nave na perfeição. E também tem de ser capaz de fazer isso de forma rápida – em muito menos tempo do que demoraria a missão real.
«O software tem de ser capaz de processar toda a informação de uma forma muito eficaz.»
Os operadores da nave também treinam a utilização deste software. «Não vamos por uma nave espacial nas mãos de alguém que não tenha treinado.»
Experiência espacial para travar a fraude
Os softwares de deteção de fraudes e das missões espaciais enfrentam desafios semelhantes. Primeiro, nos dois casos é preciso processar uma grande quantidade de informação, em tempo real. «Num banco, por exemplo, é preciso processar milhares de transações por segundo.»
Na deteção da fraude bancária, assim como no espaço, o software deve reconhecer qualquer coisa que seja fora do normal. No espaço, uma mudança inesperada na temperatura poderá indicar uma falha na parede. Na banca, as anomalias normalmente apontam para uma fraude: se uma bomba de gasolina começa a gerar, subitamente, valores de vendas semelhantes ao de um stand de carros de luxo, é sinal de sarilhos.
No entanto, há diferenças. Enquanto no espaço há regras gerais que indicam uma anomalia, na fraude as decisões são baseadas numa análise de caso. Uma súbita mudança de temperatura no espaço é sempre um problema, mas cada cliente bancário tem os seus próprios hábitos.
Ou seja, o software tem de reconhecer o que é o normal para o dono de uma empresa e o que é normal para um professor, baseado nos comportamentos passados de cada um, para poder identificar qualquer comportamento estranho.
Para que isso seja possível, a Feedzai inventou um software com inteligência artificial.
«Desenvolvemos software capaz de processar uma grande quantidade de transações,» disse Paulo. Este software pode analisar todas as transações que um cliente tenha feito, nos últimos quatro anos, pelo menos.
Aplicando as técnicas de ‘machine learning’ e ‘tratamento de big-data’ para analisar todos os dados, o software aprende a distinguir as transações fraudulentas das não fraudulentas.
“O software cria as regras.”
O software Feedzai é muito robusto. Rastreando mais de 300 variáveis por pessoa, cria perfis de consumo, detalhados e individualizados, para cada um dos cerca de 20 milhões de utilizadores de cartão de crédito por sistema. «No total, estamos a rastrear mais de cinco mil milhões de variáveis em contínuo.»
«É como se tivéssemos 500 pessoas muito inteligentes a olhar para cada transação e avaliando, baseadas na sua experiência, se houve fraude ou não. É uma enorme quantidade de capacidade de processamento junta.»
Carlos Cerqueira do Instituto Pedro Nunes, o parceiro português da ESA na Rede de Transferência de Tecnologia, parte do Programa de Transferência de Tecnologia da ESA, acredita que a tecnologia do Feedzai significará uma grande poupança para os bancos, bem como numa maior segurança para os clientes: «Os modelos e a ciência de grandes dados do Feedzai conseguem detetar a fraude até 30% mais cedo do que os métodos tradicionais e ilustram de que forma as competências desenvolvidas nos centros de investigação da ESA podem ser úteis noutros sectores.»
O conhecimento espacial gera crescimento
Este ano, a Feedzai mudou a sua sede de Portugal para a Califórnia, enquanto se expandem no mercado mundial.
«É muito bom verificar que o conhecimento gerado no âmbito do programa espacial europeu também pode dar origem a técnicas inovadoras no combate à fraude nos cartões bancários,» disse Frank M. Salzberg, responsável pelo Gabinete do Programa de Transferência de Tecnologia da ESA.
«Ilustra bem o potencial de spin-off dos nossos programas espaciais. O espaço exige soluções tecnológicas de ponta, o que explica porque razão a indústria espacial está muitas vezes à frentes de outras áreas.»
O delegado de Portugal à ESA, Luís Serina, realçou que, «Este caso de sucesso mostra-nos que o investmento na ESA também contribui para a criação de emprego e crescimento através da inovação tecnológica, que ainda é mais importante hoje em dia.»
Há certamente muito trabalho a fazer nesta área: todos os anos, perde-se cerca de 10 mil milhões de euros em fraude com cartões de crédito. E à medida que o cibercrime se torna mais sofisticado, é provável que este número cresça.
«Fazemos parte do mecanismo de defesa,» diz o porta-voz da Feedzai, Loc Nguyen. «É como uma camada invisível na qual o consumidor nunca pensa. Se não se apercebem da nossa existência, é bom sinal, quer dizer que estamos a trabalhar bem.»
Nota para os Editores:
O Instituto Pedro Nunes também irá gerir o Centro de Incubadora de Empresas da ESA em Portugal, que irá abrir mais tarde neste ano, bem como tornar-se o embaixador do programa de aplicação da ESA, ARTES. Esta será uma interface em Portugal para a indústria, na área da transferência de tecnologia da ESA.