Satélites guiam trabalhadores humanitários na perfuração de poços de água para refugiados africanos
Para ajudar mais de 180000 refugiados sudaneses reunidos no deserto do leste de Chade, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados começou a utilizar dados de satélite para identificar recursos de água escondidos e localizar novos campos.
Com a permissão do governo do Chade, existem neste momento na região nove campos do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR). O UNHCR transferiu a maior parte dos refugiados da fronteira instável para os campos. Outros milhares atravessaram a fronteira pelos seus próprios meios, diminuindo ainda mais os já fracos recursos. E mantém-se o receio que mais refugiados possam ainda abandonar Darfur.
É necessário abastecer uma enorme multidão de pessoas com alimentos, água e necessidades básicas nesta região remota, com péssimas ligações rodoviárias, que pioram com o início da estação das chuvas. A necessidade mais premente é a água. Os padrões do UNHCR apontam para necessidades na ordem dos 15 litros de água por pessoa por dia, mas alguns campos no leste do Chade estão ainda abaixo deste requisito mínimo.
Em Março, o UNHCR solicitou a assistência do UNOSAT na localização de recursos de água escondidos e na escolha dos locais ideais para novos campos na região. O consórcio UNOSAT, apoiado pela ESA, fornece às agências das Nações Unidas e às comunidades humanitárias internacionais informações geográficas obtidas através das imagens de satélite.
Com base numa análise preliminar das condições da água no local, o UNHCR propôs uma estratégia de desenvolvimento da água e, em colaboração com o UNOSAT, elaborou o relatório da água. "Pediram-nos para analisar este grave problema da obtenção de água para os refugiados e, cooperando com a empresa consultora Radar Technologies France (RTF), projectámos uma solução", comentou Olivier Senegas do UNOSAT. "No início de Julho, fornecemos mapas dos recursos de água, cobrindo mais de 22.500 quilómetros quadrados do território, em torno dos campos de refugiados de Oure Cassoni, Touloum e Iridimi.
"Durante o mês de Julho, o UNHCR e a RTF puderam confirmar com sucesso a existência destes recursos detectados por satélite com enorme exactidão. Estão neste momento a ser examinados no local, através de análises geofísicas mais específicas, com vista a determinar a potencialidade/produtividade real desses recursos de água.
A técnica baseia-se no cruzamento dos resultados obtidos por diversos satélites: imagens ópticas multi-espectrais do Landsat, imagens de radar em banda C do satélite ERS da ESA e imagens em banda L do JERS-1 japonês. Além disso, é aplicado um modelo digital de elevação (DEM) derivado da Missão Topográfica por Radar do Vaivém Espacial (SRTM).
"O Landsat é o meio ideal para obter uma compreensão inicial de uma determinada área, permitindo-nos observar toda a vegetação e água à superfície", explicou Senegas. "É também muito interessante do ponto de vista geológico, pois permite diferenciar também as rochas.
"O radar do ERS identifica a superfície topográfica, incluindo estruturas geológicas importantes, tais como falhas, diques e, sobretudo, canais de drenagem subterrâneos, conhecidos por wadis, que normalmente guardam reservas de água. Por fim, o radar JERS-1 possui um maior comprimento de onda do sinal, permitindo detectar sinais de água em zonas áridas a uma profundidade muito maior."
Utilizando técnicas anteriormente aplicadas na exploração de petróleo, gás e minérios, Alain Gachet, da RTF, reuniu todas as informações para criar mapas dos potenciais recursos de água: "As imagens ópticas mostram a superfície; o ERS vê a uma profundidade de cerca de 50 cm, e o JERS-1 até um máximo de 20 metros; por isso, juntando todos os dados, obtém-se uma espécie de modelo com corte transversal da paisagem.
"E as imagens de radar multitemporais permitem identificar as variações da humidade subterrânea, que podem indicar a existência de águas freáticas – desenvolvemos algoritmos específicos para descobri-las."
O teste real do serviço aconteceu quando os trabalhadores humanitários utilizaram os mapas para abrir furos de sondagem e poços de água, acrescentou Senegas: "Para ter sucesso, o trabalho tem que ser aceite pelas equipas locais, pelo que as mesmas têm que participar no processo. Estas equipas não estão familiarizadas com a Observação da Terra, mas mostraram-se muito interessadas na técnica.
"O que os polígonos no mapa indicam é que nesta região existe uma enorme potencialidade de água. De facto, as perfurações nos limites destes polígonos revelaram potencialidades de recursos de água – em algumas áreas exteriores também, mas não a uma profundidade acessível."
O próprio Gachet viajou para o Chade para observar a realidade no terreno: "Os refugiados estão num estado desesperado e a água representa um bem precioso. Anteriormente, os perfuradores de poços empregavam essencialmente os conhecimentos locais e as técnicas geofísicas básicas – obtinham uma taxa de sucesso de 50%, que não é má dadas as circunstâncias, mas mesmo assim um desperdício de tempo e dinheiro. Agora, os nossos mapas orientam-nos para o melhor local, apenas têm que segui-los."
A segunda fase do projecto consistiu em utilizar os mapas para rever os locais propostos para os novos campos. Foram planeados provisoriamente cinco novos campos, mas o relatório mostrou que não havia recursos de água nas redondezas. Como alternativa, foram encontrados sete locais mais adequados, que combinam a proximidade dos recursos de água com uma maior acessibilidade às ligações viárias e uma topografia e tipo de terreno mais convenientes.
O plano prevê alargar a cobertura ao longo de todo o leste do Chade sempre que a situação o exija, acrescentou Senegas. Os agricultores do Chade podem também utilizar estes dados no futuro e os mapas geo-referenciados altamente precisos podem vir a fazer parte de um sistema de informação geográfica (GIS) que vá de encontro às necessidades do país.
"O terceiro aspecto é, assim esperamos, ajudar a população local a ultrapassar a actual crise", concluiu Senegas. "Vivem aqui habitualmente apenas cerca de 30 000 pessoas, mas partilharam o pouco que tinham com os refugiados. Estes mapas podem ajudá-los de uma forma permanente, dizendo aos agricultores que, se perfurarem num determinado local, têm mais probabilidades de encontrar água para as suas culturas".
Gachet acrescentou: "Não existe uma falta de água total na região, mas apenas a falta de uma política de gestão da água. Quando parti, começou a estação das chuvas – dois meses de chuva intensa – mas geralmente evapora antes de poder reabastecer as provisões de águas freáticas. Os mapas obtidos por satélite podem, no futuro, indicar à população local o melhor sítio para construir barragens ao longo do curso dos wadis para reter e armazenar a água."
Mais sobre a Radar Technologies France
A RTF é uma empresa privada que tem vindo a transformar a experiência do passado em termos de prospecção de ouro e petróleo na exploração das águas freáticas para fins humanitários.
A experiência da RTF com imagens de radar espaciais começou em 1996, quando foram utilizados os dados do satélite combinados com a realidade no terreno para descobrir novas jazidas de ouro e petróleo nas florestas equatoriais do Congo. A companhia é agora consultada pelas maiores empresas de petróleo, tais como a Shell, Agip, Total, Exxon, e organizações humanitárias para mapeamento de novos recursos de água em áreas desérticas, como a Líbia, o Chade e a Austrália Central.
Mais sobre o UNOSAT
Dirigido pelo Gabinete das Nações Unidas para os Serviços de Apoio aos Projectos (UNOPS), o UNOSAT é um consórcio sem fins lucrativos fundado pelo Programa de Desenvolvimento do Mercado de Observação da Terra da ESA, em colaboração com o Centre National pour les Etudes Spatiales de França (CNES) e o Ministério francês dos Negócios Estrangeiros.
O UNOSAT fornece produtos de informação geográfica para as agências das Nações Unidas e para as comunidades humanitárias e de desenvolvimento internacionais, tendo fechado negócios com fornecedores de dados conceituados, tais como a Spot Image e a Space Imaging Eurasia, bem como empresas de valor acrescentado, tais como a Gamma Remote Sensing e a Digitech, que processam os dados em bruto dos satélites para transformá-los em produtos e mapas utilizáveis.
O UNOSAT utiliza também os dados de satélite em projectos de desenvolvimento em curso, em regiões que incluem a fronteira entre a Mauritânia e o Senegal, o Corno de África e a Nicarágua.
O UNOSAT é um parceiro do consórcio RESPOND - uma actividade do GMES Services Element (GSE) que trabalha com as comunidades humanitárias no sentido de melhorar o seu acesso a mapas, imagens de satélite e informações geográficas.