Será que a água da Terra vem dos cometas?
O observatório espacial de infra-vermelhos da ESA, Herschel, detectou água num cometa com praticamente a mesma composição dos oceanos da Terra. A descoberta reaviva a ideia de que os mares do nosso planeta possam ter sido icebergs gigantes, a flutuar pelo espaço.
A origem da água na Terra é alvo de um aceso debate. O nosso planeta formou-se a temperaturas tão elevadas que qualquer água que existisse deve ter-se evaporado. No entanto, hoje dois terços da superfície está coberta de água e esta deve ter chegado do espaço, depois da Terra ter arrefecido.
Os cometas parecem ser uma explicação natural: são icebergs gigantes a viajar pelo espaço com órbitas que passam pela rota dos planetas, tornando possível a ocorrência de colisões. Como exemplo disso temos o impacto do cometa Shoemaker-Levy 9 em Jupiter em 1994. Mas nos primeiros tempos do Sistema Solar, quando havia muitos cometas pelo espaço, as colisões seriam muito mais comuns.
No entanto, até agora não foi possível confirmar pelas observações astronómicas esta hipótese de que os cometas forneceram água à Terra. A principal medida é o nível de deutério – uma forma mais pesada do hidrogénio – encontrado na água.
Todo o deutério e todo o hidrogénio disponível no Universo foram produzidos imediatamente a seguir ao Big Bang, há cerca de 13,7 mil milhões de anos, estabelecendo-se a relação entre os dois tipos de átomos. No entanto a relação entre estes na água pode variar de local para local. A reacção química envolvida na formação de gelo no espaço leva a uma maior ou menor probabilidade de um átomo de deutério substituir um dos dois átomos de hidrogénio da molécula de agia, de acordo com as condições ambientais em que a reacção ocorre.
Assim, pela comparação entre o rácio de hidrogénio e deutério na água dos oceanos terrestres e o rácio medido em objectos espaciais, os astrónomos podem tentar identificar a origem da nossa água.
Todos os cometas estudados até agora apresentaram níveis de deutério com cerca do dobro do encontrado nos oceanos da Terra. Se cometas deste tipo tivessem colidido com a Terra não poderiam ter contribuído com mais do que uma pequena percentagem da água terrestre. De facto, os astrónomos começaram mesmo a pensar que os meteoritos tinham de ser os responsáveis, apesar de o seu conteúdo de água ser muito inferior.
Até que o Herschel estudou o cometa Hartley 2, usando o HIFI, o mais sensível dos instrumentos para a detecção de água no espaço, e mostrou que pelo menos este cometa tem água semelhante à encontrada nos nossos oceanos.
"O rácio deutério-hidrogénio do cometa Hartley é quase igual ao valor encontrado nos oceanos terrestres,” diz Paul Hartogh, do Max-Planck-Institut für Sonnensystemforschung, Katlenburg-Lindau, Alemanha, que liderou a equipa internacional de astrónomos para este trabalho.
A razão para o cometa Hartley 2 ser diferente talvez tenha a ver com o sítio onde este nasceu: para lá de Plutão, numa região do Sistema Solar conhecida como Kuiper Belt.
Pensa-se que os outros cometas estudados até agora se tenham formado próximo de Júpiter e Saturno antes de terem sido expulsos pela gravidade destes planetas gigantes, regressando muito mais tarde, depois de longas viagens.
Quer isto dizer que as novas observações sugerem que talvez a água da Terra tenha mesmo vindo dos cometas – mas apenas de uma família específica, nascidos no exterior do Sistema Solar. Lá, no frio profundo, a relação entre o deutério e o hidrogénio impressa na água gelada pode ser muito diferente da que surgiu nas temperaturas mais mornas do interior do Sistema Solar.
O Herschel está agora a analisar outros cometas para verificar se esta hipótese tem sustentação.
"Graças a esta detecção, que foi possível com o Herschel, uma discussão antiga foi reavivada e reforçada," diz Göran Pilbratt, cientista de projecto da ESA para o Herschel.
"Será muito interessante ver para onde nos leva esta descoberta."